Sobre a decisão de construir


Observando a obra de muitos arquitetos observa-se que, paradoxalmente, à medida que avançam e passam a receber encargos maiores e em maior número, a qualidade da sua produção decai. Me arrisco a dizer que é porque já não dedicam a cada projeto o tempo que dedicavam antes.

O projeto de arquitetura é, de algum modo, como o arroz e o vinho, que necessitam do tempo justo para ficarem bons. Se os apressamos o arroz sai cru e o vinho ácido.

Os projetos bem sucedidos, se investigássemos o processo que levou a eles, revelariam que o seu autor dedicou muito tempo a eles. Isso exige que não se delegue trabalhos inteiros a clones  (aqueles arquitetos que trabalham nos grandes escritórios e que sabem projetar à moda do chefe) e que se tenha condições de recusar trabalhos, como o fazem arquitetos da qualidade e relevância como Isay Weinfeld e Glenn Murcutt.

A seguir duas opiniões sobre o assunto, de Alberto Campo Baeza e Santiago de Molina.

Três patas para uma mesa

Conselhos a um jovem arquiteto (1)


Croquis de Alberto Campo Baeza


Para construir deves ser radical, deves saber que não vais ficar rico e tens que tentar que os teus projetos sejam ideias construídas.

Radical desde o primeiro momento. É fácil que um arquiteto ceda com mil desculpas. Muitos o fazem. Mas deve-se e pode-se resistir. A razão deve ser o primeiro e o principal instrumento de um arquiteto. Nunca um cirurgião faria uma cirurgia de coração entrando pelos pés porque o cliente lhe pede isso, que me perdoe o enfermo. Pois em arquitetura há muitos doentes do coração que exigem ser operados pelos pés. E há muitos arquitetos que cedem. Se te acontecer algo assim, e acontecerá, negue-se a fazê-lo, ou melhor, convença o cliente do contrário.

Nunca chegarás a ser rico. Eu não conheço nenhum bom arquiteto que seja rico. Não consigo entender alguns arquitetos, muitos do star system, quando fazem ou assinam tantas obras. Isso só se explica pela ânsia de ganhar mais e mais fama, mais e mais dinheiro. Como bem diz a mãe do Papa Francisco: “o sudário não tem bolsos”. Shakespeare só escreveu 37 peças teatrais.

Mas, sobretudo, os projetos devem ser “ideias construídas”. Tenho repetido isso tantas vezes que se tornou óbvio para mim. Sempre com a razão como o primeiro e o principal instrumento de um arquiteto. Ajudado pela imaginação, como bem aconselhava Goya: “a fantasia unida com a razão é a mãe das artes e origem das maravilhas”.

(1) Publicado em Varia Architectonica, Mairea Libros: Madrid, 2016. O trecho publicado aqui é parte daquele texto.



A terceira via (2)

ALEX S. MCLEAN, Piscina em Orlando de um hotel temático. Imagem: Alex Mclean.

Contrariamente ao que se pensa, em arquitetura sempre existe um caminho intermediário entre fazer as coisas bem ou fazer as coisas mal: não fazê-las.

Este princípio deveria estar bem presente antes de aceitar qualquer trabalho. Avaliar, sem rodeios, se em cada trabalho existem possibilidades certas de fazer bem as coisas. Se a própria capacidade, o contexto do trabalho ou a sua execução oferecem opções honestas de melhorar o existente.

A omissão para o arquiteto não é um pecado; pelo contrário, é virtude. Cada um deve ir até o limite das suas forças. A omissão é a terceira via de prestar tributo ao seu ofício.

Num mundo que aplaude o realizador excessivo não convém exceder-se nas realizações, que sempre são muitas. Fazer o pouco que se creia conveniente é o mais sensato, e brandir esse pouco contra quem muito produz ou reproduz, para que saibam qua a indiferença pela realização contínua é prova de que não somos ignorantes, mas buscamos outras coisas.


(2) Santiago de Molina, em Múltiples estratégias de arquitectura, Ediciones Assimétricas: Madrid, 2013, p. 53

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